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Tomo a liberdade de enviar-lhes, para possível publicação no blog, uma pequena crônica que escrevi no último dia dos pais. Porque, talvez, alguns sentimentos e valores que me são caros também possam ter valor para outros membros da grande Família De Nardi.
Tomo a liberdade de enviar-lhes, para possível publicação no blog, uma pequena crônica que escrevi no último dia dos pais. Porque, talvez, alguns sentimentos e valores que me são caros também possam ter valor para outros membros da grande Família De Nardi.
Com o maior apreço.
Reni Antônio Denardi
Dia dos Pais, aos 09 de agosto de 2014
LEMBRANÇAS
E LIÇÕES QUE DEDICO A MEU PAI
Dionísio Francisco Denardi, filho de Ernesto, neto de Francesco, (D N 2.5.3.3), nasceu em 25 de maio de 1918, em Farroupilha, RS, e nos deixou em 2 de julho de 2011. Camponês
sério, não era de rir ou falar muito, mas tinha algumas virtudes que me
ensinaram a ser uma pessoa razoável.
Vivi minha infância em Vista
Alegre, município de Getúlio Vargas, RS. Uma das mais belas paisagens de minha
infância era vista na primavera quando o vento formava ondas nas plantações de
trigo que cobriam as coxilhas das terras onde nasci. E é do meio do trigal uma
das primeiras lembranças vivas que tenho de meu pai. Quando eu tinha cinco anos
(talvez seis) ele me carregou nas suas costas para que eu não me molhasse no
orvalho do trigo numa manhã de domingo em um antigo atalho de caminho para a
igreja da nossa comunidade.
Na minha memória da infância e
adolescência, também está viva a imagem de meu pai, junto com meu tio
Fortunato, de noite e à luz do lampião, calculando na ponta do lápis as
receitas e despesas comuns que ambos anotavam em cadernos. Era o “acerto de
contas” necessário para que nenhum dos dois ficasse devendo ao outro na
sociedade familiar. Chamava-me a atenção a organização e o cuidado que ambos
tinham com a precisão das contas que ia ao detalhe de centavos.
Mas a maior lição de
honestidade que aprendi de meu pai foi uma vez quando voltei da escola
primária e contei a ele que não tinha certeza se havia agido certo naquele dia.
O fato é que eu havia “perdido” a minha mais bonita bolinha de gude em um jogo
no qual eu achava ter sido vítima de uma trapaça de meus
colegas. Inconformado, eu (re)tomei a estimada bolinha e com ela no bolso corri
para casa, chorando de raiva. Diante da minha dúvida, meu pai me obrigou a, no
dia seguinte, entregar a bolinha ao colega com quem tinha jogado. Nunca mais na
vida fiquei com algo que não tivesse certeza ser verdadeiramente meu.
Entre as demonstrações de
capricho e organização no trabalho, destacava-se em meu pai a esmerada prática
visual e o tamanho regular dos passos que fazia no plantio do milho com a
“matraca” manual. O resultado era a perfeita igualdade nas distâncias entre as
fileiras e entre as covas de milho que cultivávamos tanto nas áreas mais planas
quanto nas encostas mais íngremes. Um capricho invejado por muitos e admirado
por todos, pois ninguém na vizinhança conseguia alinhamento tão perfeito.
Embora tivesse cursado apenas a
escola primária, meu pai gostava de ler e de ouvir rádio. Lembro do nosso
primeiro aparelho de rádio que funcionava com uma enorme bateria que precisava
ser recarregada no dínamo movido por uma roda d'água.
Depois, na década de
1960, compramos um rádio de pilha que foi instalado na sala em
lugar onde também pudesse ser ouvido da cozinha. Aquele aparelho de
rádio nos serviu durante mais de 20 anos. Nele ouvíamos diariamente o
noticiário do Repórter Esso e do Repórter Renner. Bem como a missa dominical e
os jogos de futebol da dupla grenal. No mesmo valioso aparelho ouvi os jogos da
primeira Copa do Mundo de que tenho lembrança, a de 1966, disputada na
Inglaterra.
Quanto ao hábito de ler, meu pai praticava a leitura nas páginas do
semanário Correio Riograndense, que eu também lia de ponta a ponta. Outra
leitura obrigatória era das páginas que extraía diariamente da Folhinha do
Sagrado Coração de Jesus. Essa leitura da folhinha era feita enquanto tomava o
café da manhã na sua caneca ao lado do fogão à lenha que também servia para nos
aproximar e aquecer após o jantar nas longas e frias noites de inverno.
Consciente da importância de
estudar e diante do meu gosto pela leitura e das boas notas que tinha na
escola, papai estimulou-me para maiores estudos. Assim, cursei os sete anos do
ginasial agrícola e do técnico agrícola. Depois, em um frio dia de agosto de
1975, fui a Passo Fundo onde fiz minha inscrição para o vestibular de direito.
Na volta para Getúlio Vargas, enquanto pela janela do ônibus via
caírem pequenos flocos de neve, pensava seriamente no futuro. Mal cheguei em
casa e sofri, doente duas semanas, até superar uma hepatite que quase me matou.
Nessa luta contra a hepatite, perdi o vestibular.
Determinado a continuar os
estudos, viajei a Porto Alegre com a intenção de fazer um cursinho
pré-vestibular. Mas, além do alto custo, as aulas dos cursinhos já haviam começado
duas semanas antes. Contei isso a meu pai e ele me disse que qualquer que fosse
minha decisão ele me apoiaria. Faria o sacrifício necessário para pagar o
cursinho pré-vestibular se eu decidisse fazê-lo.
Pensei bastante até tomar a
decisão de não onerar as finanças da família. Decidi trabalhar no Paraná e
enfrentar o vestibular mesmo sem cursinho. No ano seguinte, comecei o curso de
agronomia na UFPR, em Curitiba. A partir daí fui abrindo portas e construindo
pontes que me permitem viver com dignidade.
Trinta anos mais tarde, um dos últimos momentos
marcantes de minha relação com papai. Quando numa noite o cuidava no hospital
de Estação (RS), ele me pediu, em alto e bom som, e repetiu: “pelo amor Deus, me deixem morrer”.
Acredito que estas tenham sido suas últimas palavras com plena lucidez,
antevendo o futuro.
Depois de, com minha mãe e irmãs, termos dado a meu pai todo amor que merecia,
na rota de crescente sofrimento, que percorreu por mais de quatro anos e meio,
antes de nos deixar, sinto agora não ter podido atender seu último e grave
pedido.
A vida é maravilhosa e também
uma escola permanente. Devo a meu pai algumas das melhores lições que já
aprendi.
Na foto superior com a mãe Dileta (88 anos) e as irmãs Lorenice e Alice. Na foto inferior com a filha Gabriela. Amplie a foto clicando sobre a mesma.
Na foto superior com a mãe Dileta (88 anos) e as irmãs Lorenice e Alice. Na foto inferior com a filha Gabriela. Amplie a foto clicando sobre a mesma.