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quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Crônica de Reni Antônio Dn homenageando seu pai

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Tomo a liberdade de enviar-lhes, para possível publicação no blog, uma pequena crônica que escrevi no último dia dos pais. Porque, talvez, alguns sentimentos e valores que me são caros também possam ter valor para outros membros da grande Família De Nardi.

 Com o maior apreço. 

Reni Antônio Denardi
Dia dos Pais, aos 09 de agosto de 2014

LEMBRANÇAS E LIÇÕES QUE DEDICO A MEU PAI

Dionísio Francisco Denardi, filho de Ernesto, neto de Francesco, (D N 2.5.3.3), nasceu em 25 de maio de 1918, em Farroupilha, RS, e nos deixou em 2 de julho de 2011. Camponês sério, não era de rir ou falar muito, mas tinha algumas virtudes que me ensinaram a ser uma pessoa razoável.

Vivi minha infância em Vista Alegre, município de Getúlio Vargas, RS. Uma das mais belas paisagens de minha infância era vista na primavera quando o vento formava ondas nas plantações de trigo que cobriam as coxilhas das terras onde nasci. E é do meio do trigal uma das primeiras lembranças vivas que tenho de meu pai. Quando eu tinha cinco anos (talvez seis) ele me carregou nas suas costas para que eu não me molhasse no orvalho do trigo numa manhã de domingo em um antigo atalho de caminho para a igreja da nossa comunidade.

Na minha memória da infância e adolescência, também está viva a imagem de meu pai, junto com meu tio Fortunato, de noite e à luz do lampião, calculando na ponta do lápis as receitas e despesas comuns que ambos anotavam em cadernos. Era o “acerto de contas” necessário para que nenhum dos dois ficasse devendo ao outro na sociedade familiar. Chamava-me a atenção a organização e o cuidado que ambos tinham com a precisão das contas que ia ao detalhe de centavos.

Mas a maior lição de honestidade que aprendi de meu pai foi uma vez quando voltei da escola primária e contei a ele que não tinha certeza se havia agido certo naquele dia. O fato é que eu havia “perdido” a minha mais bonita bolinha de gude em um jogo no qual eu achava ter sido vítima de uma trapaça de meus colegas. Inconformado, eu (re)tomei a estimada bolinha e com ela no bolso corri para casa, chorando de raiva. Diante da minha dúvida, meu pai me obrigou a, no dia seguinte, entregar a bolinha ao colega com quem tinha jogado. Nunca mais na vida fiquei com algo que não tivesse certeza ser verdadeiramente meu.

Entre as demonstrações de capricho e organização no trabalho, destacava-se em meu pai a esmerada prática visual e o tamanho regular dos passos que fazia no plantio do milho com a “matraca” manual. O resultado era a perfeita igualdade nas distâncias entre as fileiras e entre as covas de milho que cultivávamos tanto nas áreas mais planas quanto nas encostas mais íngremes. Um capricho invejado por muitos e admirado por todos, pois ninguém na vizinhança conseguia alinhamento tão perfeito.

Embora tivesse cursado apenas a escola primária, meu pai gostava de ler e de ouvir rádio. Lembro do nosso primeiro aparelho de rádio que funcionava com uma enorme bateria que precisava ser recarregada no dínamo movido por uma roda d'água. 
Depois, na década de 1960, compramos um rádio de pilha que foi instalado na sala em lugar onde também pudesse ser ouvido da cozinha. Aquele aparelho de rádio nos serviu durante mais de 20 anos. Nele ouvíamos diariamente o noticiário do Repórter Esso e do Repórter Renner. Bem como a missa dominical e os jogos de futebol da dupla grenal. No mesmo valioso aparelho ouvi os jogos da primeira Copa do Mundo de que tenho lembrança, a de 1966, disputada na Inglaterra. 

Quanto ao hábito de ler, meu pai praticava a leitura nas páginas do semanário Correio Riograndense, que eu também lia de ponta a ponta. Outra leitura obrigatória era das páginas que extraía diariamente da Folhinha do Sagrado Coração de Jesus. Essa leitura da folhinha era feita enquanto tomava o café da manhã na sua caneca ao lado do fogão à lenha que também servia para nos aproximar e aquecer após o jantar nas longas e frias noites de inverno.

Consciente da importância de estudar e diante do meu gosto pela leitura e das boas notas que tinha na escola, papai estimulou-me para maiores estudos. Assim, cursei os sete anos do ginasial agrícola e do técnico agrícola. Depois, em um frio dia de agosto de 1975, fui a Passo Fundo onde fiz minha inscrição para o vestibular de direito. 
Na volta para Getúlio Vargas, enquanto pela janela do ônibus via caírem pequenos flocos de neve, pensava seriamente no futuro. Mal cheguei em casa e sofri, doente duas semanas, até superar uma hepatite que quase me matou. Nessa luta contra a hepatite, perdi o vestibular.

Determinado a continuar os estudos, viajei a Porto Alegre com a intenção de fazer um cursinho pré-vestibular. Mas, além do alto custo, as aulas dos cursinhos já haviam começado duas semanas antes. Contei isso a meu pai e ele me disse que qualquer que fosse minha decisão ele me apoiaria. Faria o sacrifício necessário para pagar o cursinho pré-vestibular se eu decidisse fazê-lo. 

Pensei bastante até tomar a decisão de não onerar as finanças da família. Decidi trabalhar no Paraná e enfrentar o vestibular mesmo sem cursinho. No ano seguinte, comecei o curso de agronomia na UFPR, em Curitiba. A partir daí fui abrindo portas e construindo pontes que me permitem viver com dignidade.

Trinta anos mais tarde, um dos últimos momentos marcantes de minha relação com papai. Quando numa noite o cuidava no hospital de Estação (RS), ele me pediu, em alto e bom som, e repetiu: “pelo amor Deus, me deixem morrer”. Acredito que estas tenham sido suas últimas palavras com plena lucidez, antevendo o futuro. 
Disse a ele que Deus saberia a hora certa das coisas. 
Depois de, com minha mãe e irmãs, termos dado a meu pai todo amor que merecia, na rota de crescente sofrimento, que percorreu por mais de quatro anos e meio, antes de nos deixar, sinto agora não ter podido atender seu último e grave pedido.

A vida é maravilhosa e também uma escola permanente. Devo a meu pai algumas das melhores lições que já aprendi.

Na foto superior com a mãe Dileta (88 anos) e as irmãs Lorenice e Alice. Na foto inferior com a filha Gabriela. Amplie a foto clicando sobre a mesma.

PRODUÇÃO

  • Organizado e mantido por Arquivo De Nardi
  • Responsável - Marinês De Nardi Verona
  • Colaboração Nelson D N e Lúcia Madeira D N